quinta-feira, 26 de março de 2009

Shhhhhh...

Por que estão todos em silêncio?

Por as crianças pararam de sorrir?
Por que os bêbados pararam de cantar?
Por que detento parou de mentir?
Por que o Pierrot parou de chorar?
Por que o padre parou de repetir?
Por que o poeta parou de declamar?
Por que o fumante parou de tossir?
Por que o pai parou de brigar?
Por que o viajante parou de se despedir?
Por que o namorado parou de se declarar?
Por que o mendigo parou de pedir?
Por que a vitrola não quer mais tocar?

Por que minha voz não quer mais sair,
se é tarde demais para eu me calar?

Por favor, façam algum barulho!
Preciso sentir
o som entrar.
Outro som que não seja
eu a respirar.
Expirando e inspirando o vazio
do meu ócio nada criativo,
que a transformar está
minha cabeça cheia em
oficina do diabo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Mind the gap

O rosto que se esconde por trás do jornal de ontem eu não sei de quem é e tão pouco me interessa. A música no meu fone abafa o choro da criança ao fundo. O que me incomoda não é o choro, mas sim os berros nada maternais daquela mãe despreparada. Aquele judeu amarrotado não parece rico. Aquela loira oxigenada segura uma bolsa Luis Vuitton, falsificada, para não parecer pobre. O idoso parece satisfeito com o assento que lhe é de direito; finalmente a vida lhe dera alguma coisa. O negro que parece marginal está ao lado do negro com fundo de garrafa que abraça 3 livros. Esse negro parece ter medo de pensarem que é como o primeiro. O primeiro parece esperar que um branco olhe para ele, ultimamente é o suficiente para ser chamado racista.
Vou em pé balançando a perna. Não me olho no espelho desde que escovei os dentes pela manhã. Pareço com algo que sou eu mesma. Meio cansada, meio esfomeada, meio independente. Eu inteira.

O metrô para. Desço aqui.
Liberdade

sábado, 13 de setembro de 2008

Sem Nome

"O mundo parece que se esqueceu das atrocidades do governo chinês contra o seu povo. Este vídeo feito por jornalistas ingleses retrata a política de natalidade chinesa, em que milhares de crianças são abandonadas ou mesmo assassinadas pelo regime comunista. O povo chinês não vale mais do que o gado. Enquanto isso, o ocidente se deslumbra com as Olímpiadas. . ."

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Quarta qualquer

Acordei tão cedo pra quem foi dormir tão tarde. Na extensa calçada, parei em frente a banca para ler um anúncio irrisório, quando um velhinho qualquer esbarrou em mim e achou aquilo suficientemente irrelevante para não se dar ao trabalho de se desculpar. Senti um calafrio na espinha e lembrei que "os canalhas também envelhecem", ou sei lá, talvez ele só não estivesse em um bom dia. Pena que meu humor é tão mais instável pela manhã. Assim que ligo meu Ipod..." I would give you everything I own..." Esboço um sorriso e penso que isso é a cara do meu pai. Ainda bem que meu humor é tão instável. A partir daí já estou feliz e faço o caminho de casa para a faculdade me sentindo dona da rua e ignorando todos aqueles cocozinhos de cachorrinhos de madame pelo caminho. Na primeira aula é impossível não sentir interesse, na segunda é impossível não sentir sono. Penso na louça me esperando em casa para ser lavada e me pergunto pela quinquagésima vez porque ainda não contratei uma diarista. Lembro que é porque QUERO economizar, e isso me lembra que QUERO trabalhar, mas que eu também não QUERO tanto assim, porque se eu realmente QUISESSE já tinha ido atrás. Combino várias coisas com as amigas, mas não dou certeza de nada, mas sempre que posso a peço. Gosto da liberdade de decidir na última hora e da comodidade de poder me preparar antes. Ué, e quem não gosta? Voltando pra casa, abro a cortina e deito desconfortavelmente no sofá, que a essa altura já está mais para cama. O silêncio daqui tem barulho de carro e crianças esperando pais na calçada. Olho pelo listrado das grades da janela e as nuvens se movem tão rápido. Aquela efemeridade me inspira e sinto que preciso me libertar.

Perdôo o velhinho qualquer e caio no sono.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Desconstrução

A falha no teu caráter não se concerta com cimento
Um fundamento errado compromete toda a estrutura de
qualquer argumento

E você me repete isso
mas como posso compreender
se quer que eu faça o que diz
quando nem você mesmo quer fazer

Seus olhos miram a TV
com tal concentração
enquanto eu preparo a argamassa
pra tua falha, em vão

Porque você se contenta com essa
débil construção
que se limita a ser tão horizontal,
tão grudada ao chão...
Já eu quero sentir a vertigem
de olhar de cima e além
Dos circos de concreto armado
prefiro ficar aquém

Enfim, digo-lhe que estou enfadada
desse encargo sem prazo para terminar
Então deixe-me subir sozinha minha escada
já que você nunca vai querer me acompanhar

...

Ludmila Pinto


terça-feira, 5 de agosto de 2008

Quanto falta

Quantas vezes você precisa olhar
para de fato ver?
Quantas tomadas você ainda vai botar
seu dedo para aprender
de novo e de novo e de novo a mesma velha lição?

Quantos banhos você carece tomar
para deixar a culpa escorrer
pelo ralo?

Quantas memórias são necessárias
para não se esquecer?
E para não lembrar,
quantos copos beber?
E para superar,
quantos mais amores viver?

Quantos anos hão de passar,
para você se convencer
que há muito tempo já não há espaço
para o seu bem-dito querer?
E que de tanto bem só faz mal,
então diz-me:
Quanto falta?


Desculpe-me,
mas já nem sinto falta.



Ludmila Pinto


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Des-a-Fiando

É no desconforto que me aninho

Encosto em seu peito ossudo e seu pequeno orgão muscular
bombeia pensamentos caóticos e tão poéticos direto no meu ouvido

E ele me desafia a desfiar
o emanharado de nós-nos-fios do meu juízo que acabou de atormentar;

Observa o limite da minha sanidade
e me fia mais nós nos fios para mais uma vez me desafiar;

É meu tapete-de-Penélope, mas ao contrário dela não estou a esperar
nenhuma atitude estóica de nenhum Ulisses...

É no desconforto que me aninho

Já que é no meio desse embaraçado tear
Que encontro quem e como sou,
e em que não quero me tornar...

Se quer saber quem sou, desculpe,
mas não vou lhe mostrar

Se quer realmente saber quem sou,
me empreste seus ouvidos e
apenas ouça

meu pequeno orgão muscular.

Ludmila Pinto